“Não sou teólogo, mas há muito tempo cheguei à conclusão de que a única coisa que faz sentido é que tudo é uma provação. A vida é uma longa série de problemas para resolver. Quanto mais você resolve, melhor homem você se torna... As tribulações surgem na vida e, repetidas vezes, devemos nos manter firmes e enfrentá-las.
- Radzig Kobyla


Kingdom Come: Deliverance é um RPG medieval histórico em primeira pessoa e ambientado em um mundo aberto.

Kingdom Come desperta um sentimento ambíguo. Se por um lado há um número considerável de bugs (bugs de quest, jogo fechando sozinho, morte instantânea, personagens invisíveis etc.), por outro o jogo apresenta uma primorosa simbiose entre um enredo rico com uma gameplay original, criando uma experiência bastante imersiva.

Uma trama política, brutal e cristã

O pano de fundo de Kingdom Come se passa no século XV, durante a guerra civil pelo trono do reino da Bohemia, entre o hedonista e rei por direito Wenceslas IV e seu nefasto meio irmão Sigsmundi, o corno.

Em meio à essa balbúrdia dos infernos, o jogador controla o jovem Henry, um simples filho de ferreiro que é tragado ao meio desse conflito, se tornando um grande guerreiro e peça fundamental no desenrolar da guerra entre os reis.

O referido período foi o auge da tecnologia bélica medieval, e a Europa Central (Itália e Alemanha) foi a referência máxima de qualidade na produção dessa tecnologia, ou seja, o jogador terá a sua disposição as melhores armaduras e armas da época.

Outro aspecto bastante relevante na trama é o cristianismo presente intrinsecamente nos cidadãos do Sacro Império Romano Germânico, não só no que se refere à influência da Igreja Católica como agente político, executor da lei e provedor de justiça, mas no fato de que virtudes cristãs como a honra, benevolência e honestidade são amplamente valorizadas (inclusive por quem nãos as pratica) e têm um grande peso na coesão da malha social. É uma época em que a palavra valia quase tanto quanto uma assinatura, e disso dependia a paz e a prosperidade de todos, do aldeão ao nobre.

Não é só mais um Mundo Aberto

Kingdom Come surgiu na esteira dos Open Worlds da década passada, mais precisamente em 2018, quando muitos desses jogos já tinham obtido sucesso (ou não). Ou seja, os desenvolvedores já haviam observado o que deu certo e o que deu de errado em jogos similares, como Dragon Age Inquisition, The Witcher 3: Wild Hunt e The Elder Scrolls V Skyrim.

A Bohemia, com suas florestas, vilas e castelos, é belamente retratada, propiciando bons momentos de contemplação enquanto o jogador desbrava os quatro cantos do reino. Além do cuidado com as arquiteturas, com cores bem vívidas em seus brasões e pinturas, os terrenos selvagens também chamam atenção pelo relevo bastante acidentado e com barreiras naturais, o que faz com que esse mundo pareça verdadeiro.

Quem me conhece aqui na Steam sabe que eu não nutro grande simpatia por RPGs de mundo aberto. Não que Kingdom Come tenha mudado minha opinião sobre a categoria, mas é preciso ser dito que a Warhorse Studios soube ajustar o mundo aberto de Kingdom Come para um sistema mais palatável, em que a vadiagem do jogador imputa consequências.

Por exemplo, o jogo apresenta a alternativa de viagens rápidas, mas optar por esse recurso pode resultar em emboscadas letais de inimigos espreitando nas estradas. Muitas das quests principais são cronometradas e deixar elas de lado para brincar de GTA medieval pode acarretar consequências duras. Há lugares privados no mapa, em que o seu simples ingresso pode reverter em uma perseguição implacável por parte de cavaleiros, bandoleiros e milicias. Até a vestimenta do personagem e o seu grau de limpeza irão influenciar na interação com os NPCs.

Em suma, a liberdade do mundo aberto de Kingdom Come anda de mãos dadas com responsabilidade, pontualidade e prudência. Afinal, esse é um jogo sobre cavaleiros, guerreiros, eruditos e aldeões de almas elevadas, e não sobre funkeiros e marginais que querem ficar vadiando por aí enquanto infernizam a vida dos outros.

Um sistema de combate peculiar

Se tem algo que esse jogo causa algum grau de estranheza ou descontentamento, é o sistema de combate. Em resumo, você não vai sair fatiando tudo pela frente como um Mount & Blade, Chivalry ou For Honor. Aqui, o combate segue algumas regras bastante rígidas de bloqueio, movimentação e sintonia de ataques, com o intuito de torná-lo o mais realista possível, se baseando em obras reais de mestres da esgrima como Fiore Dei Liberi.

Isso unido ao fato de ter a perspectiva em primeira pessoa, torna o jogo bastante brutal e complicado. Mesmo com uma armadura completa de placas, um bom escudo e uma boa espada, é difícil enfrentar ao mesmo tempo um grupo de 4 inimigos te cercando e atacando de todos os lados (como deveria ser...). O uso de arco e flecha nos níveis iniciais é bastante sofrido, com mãos trêmulas, respiração ofegante e uma flecha voando ao infinito e além.

Muitos jogadores abandonam Kingdom Come por conta do sistema de combate. Eu não vou mentir alegando que é o melhor sistema de todos, mas também não é mentira que essa peculiaridade tenha o seu charme e contribui bastante para o jogador se sentir imerso em um cenário medieval real e de respeito.

Progressão de personagem

Sendo um RPG, é óbvio que Kingdom Come tenha um sistema de progressão de personagem, em que além do “nível de personagem”, o jogador também progredirá atributos e habilidades (que vão de perícias com armas até ofícios e talentos). Tanto os atributos quando as habilidades terão subskills que serão escolhidas pelo jogador enquanto ele progride o nível daquele atributo ou habilidade.

O jogador também terá a sua disposição ao longo da história dezenas de armas e armaduras, além de poder alterar o corte de cabelo. Essa é toda a personalização que o jogo permite. Aparência, voz, sexo e nome não são passíveis de serem alteradas. Isso hoje em dia pode gerar uma choradeira dos infernos, mas o fato é que Kingdom Come pode até ser um RPG de mundo aberto, mas ainda é um RPG contando uma história linear sobre um personagem específico. Essas difíceis decisões que levam em consideração acima de tudo a alma do jogo e não tentam agradar todo mundo, merecem não só ser respeitadas, como incentivadas.

Enfim...

Produzido longe dos holofotes e bancado pelos corajosos fãs em programas de financiamento coletivo, Kingdom Come: Deliverance é uma autêntica Cinderela dos RPGs. Uma produção indie e tímida, que acabou se tornando um jogo indispensável para os apreciadores do gênero.

Como dito anteriormente, os bugs incomodam e a essa altura do campeonato acho improvável que eles sejam sanados, mas as virtudes de Kingdom Come ofuscam qualquer demérito.

É a mais perfeita união de um enredo com uma gameplay para contar uma história sobre pessoas normais, vítimas de perdas, medos, necessidades e ambições, encontrando o seu lugar em um mundo cruel, mas ao mesmo tempo preenchido com alegria e fé.

Provavelmente o melhor RPG histórico já feito.

Nota: 4,5/5

Jogão!

O jogo é muito bom em quase tudo e jogar em monitor ultrawide é melhor ainda, mas algo que não consigo aceitar é não ter save automático após uma missão de 40m, 1h é horrível passar 1h imerso na missão ai quando sai dela se esquece de salvar/dormir, ai morre porque é ruim para 6 mendigos/bandidos no meio do matagal e volta 1h de save, poderia ter uma atualização com frs3 nas cidades fica bastante pesado.